Quiririm: mudanças e permanências

Um mundo desaparece, outro se forma

(Renata Pistilli, 2015)

Em um artigo sobre os núcleos coloniais do Vale do Paraíba publicado em 1979 na revista Problemas Brasileiros, o sociólogo José Vicente de Freitas Marcondes assim falava de Quiririm: “Atualmente, Quiririm é uma pequena comunidade onde a conversa obrigatória é o passado da colônia e das famílias italianas. Seu time de futebol – o “Quiririm Foot-Ball Club”- ainda é composto só por descendentes da Colônia… E ai daqueles que em Quiririm não sejam torcedores do Palmeiras, que para todos ainda é o Palestra Itália… Não obstante, a comunidade hoje – já completamente abrasileirada e aculturada – sente a influência e o esporeamento provocado pela indústria automobilística instalada em Quiririm.”

Dez anos depois, no ano de 1989, foi organizada por um pequeno grupo de quiririenses uma festa comemorativa do centenário da colônia, que se tornaria mais tarde apenas a primeira de muitas festas comemorando o aniversário da comunidade. Mais ou menos nesta mesma época, um grupo de pessoas – incluindo-se aqui também italianos de Taubaté – fundava uma associação com o intuito de resgatar e guardar – no sentido literal do termo, por meio de gravações – histórias da imigração e da formação da comunidade.

Livro de Atas da Società 30 di Aprile
Ata de reunião da Società 30 di Aprile

Entre esses dois momentos parece ter acontecido algo interessante: de colônia majoritariamente italiana, que vivia um cotidiano marcado por tradições e hábitos trazidos da Itália, e que conservava ainda vivo nas conversas de esquina seu passado, Quiririm parecia tomar consciência de si próprio, enquanto núcleo de imigrantes, e querer externar um certo orgulho disso. A partir de então, são várias as iniciativas que se encarreiram nesse sentido.

Desde 1989 passaram-se mais 26 anos e nesse quarto de década muitas foram as mudanças, ocasionadas na maior parte das vezes por fatores externos, pelas quais a localidade passou. Foi-se embora o lugarejo descrito pelo sociólogo Marcondes, de ruas de terra de difícil acesso, com senhoras vestidas com vestidos escuros e longos, avental e lenço na cabeça, andando por elas, foi-se embora o Esporte Clube Quiririm composto por filhos da colônia, foi-se embora o jogo de boccia, foi-se embora o lugarejo de agricultores, foram-se as plantações de arroz a batata e também as olarias. Surgiu um novo Quiririm, hoje muito maior, centro gastronômico, ponto de parada na rota São Paulo-Serra da Mantiqueira, palco de especulação imobiliária…

Festa da Imigração Italiana em 2003

Para toda uma geração crescida no distrito entre as décadas de setenta e oitenta – da qual faz parte, também, a autora desse texto – o que ficou foi uma sensação muito intensa de perda de um mundo, de desaparecimento de uma realidade. Essa geração foi a última que chegou a conviver com os imigrantes, expressão de um outro mundo, com outros hábitos e modo de vida, ao mesmo tempo em que ela mesma, ao contrário da geração anterior, não podia mais ser a continuação pura e simples dele. Para ela, continuar vivendo no passado já não era mais possível, só lhe restava tentar trazê-lo para o presente, dando-lhe nova cara.

Festa da Imigração Italiana em 2004

Nesse sentido, se o passado não é mais o tema das conversas das esquina, por outro lado, tem-se a festa para comemorá-lo e o Museu para guardá-lo. Se as meninas já não passam sua juventude aprendendo as prendas domésticas e preparando-se para casar, por outro lado, a maioria delas faz parte de um dos muitos grupos de tarantella. Se o dia de Santa Lúcia já não é mais tão especial na vida de crianças acostumadas a comer doces diariamente, por outro, hoje ela passa ao vivo e a cores na porta de suas casas. Se o Ano Novo já não é mais comemorado ao som da sanfona do Sr. Renato Giovanelli a cantar pelas ruas, por outro, tem-se hoje a “Cantata” protagonizada por um grupo de senhoras que saem a cantar pelas ruas na época do Natal.

Comemoração do dia de Santa Lucia
Comemoração do dia de Santa Lucia

Sobre todo esse processo quer falar o documentário Quiririm Outros Tempos, o qual, sem cair no saudosismo ingênuo, no elogio fácil do passado e no lamento sobre a passagem do tempo, mostra como as mudanças acima descritas foram sentidas por aqueles que as vivenciaram e as protagonizaram. É através da voz e visão deles que conhecemos, um outro Quiririm, aquele de outros tempos…

Bibliografia:

FREITAS MARCONDES, José Vicente. As colônias agrícolas e os italianos no Vale do Paraíba. In: Problemas Brasileiros, Jan. 1981, pp. 36-48.

Fotos: Foto 6? Artigo de Jose de Freitas Marcondes na revista Problemas Brasileiros


Foto 6?: Cartaz da Festa da Imigração Italiana em 1999